REALIDADES

Quem sou eu? Quem é voce? Quem somos, afinal?

São perguntas que talvez devamos nos fazer nos dias atuais.

Por quê?

Explico: Se olharmos bem cada pessoa que conhecemos, cada pessoa que vemos pelas ruas provavelmente encontraremos em muitas delas alguma semelhança conosco. Isso é fruto da miscigenação que resultou na grande Nação brasileira. Temos laços de sangue em todos os cantos desse país. Somos um pouco negros, um pouco brancos, um pouco índios... Assim, somos todos irmãos e componentes de uma grande família, a família brasileira. Mas, é isso mesmo que somos? Temos esse sentimento de irmandade cotidianamente? Temos mesmo afinidades com todas as outras pessoas? Realmente nos importamos com suas vidas, com suas situações econômicas e sociais, com o presente e o futuro de cada uma delas? Temos feito nosssa parte para minimizar o sofrimento de tanta gente desprovida até de dignidade humana? Ou ficamos alheios a sua história, às suas dores, fechados em nosso próprio mundo para não vermos tantas misérias, para não compartilharmos suas agonias? Será que enviar donativos ou alimentar um mendigo são atitudes suficientes para nos tornar humanos? Podemos nos auto intitular pessoas sensíveis apenas por tais gestos?

Quem somos, afinal?

Somos as mesmas pessoas que sempre fomos. É que estamos nos acostumando a ver e viver tantas desgraças, tantas misérias que já não temos parâmetros para nos guiar. Passamos por pessoas caídas nas ruas e o primeiro pensamento que temos é: “deve estar bêbada”. Se vemos um pedinte já fazemos uma curva e nos desviamos da mão estendida para evitar a esmola e também que nos toque. Alguém grita por socorro e nossa atitude mais coerente é nos esconder para fugirmos ao perigo de uma bala perdida, ou de testemunhar um crime e nos transformar na próxima vítima. Nessas horas somos sós no mundo. Não temos pai, não temos mãe, não temos irmãos. Ainda nos arriscamos um pouco pelos nossos filhos, nada mais. Ninguém vale o risco.
É isso que somos? Covardes? Omissos? Desesperançados?
E onde fica a “GRANDE NAÇÃO BRASILEIRA”?

Existe nação sem haver sentimento que una as pessoas? Pode um povo ser grande sem ter interesses comuns? Pode alguém vivendo alheio a tudo dizer que faz parte de uma nação?

É claro que não. Cada pessoa tem o direito e o dever de participar da vida da nação a que pertence. E, isso começa pelo direito a vida e ao reconhecimento da sua condição de ser humano. Por isso é fundamental que cada um de nos compreenda sua função social no grupo a que pertence. Primeiro na família, depois na rua onde reside, no bairro, no município, no Estado e finalmente no país. Isso, passando pela escola, pelo trabalho, pelo convívio religioso para citar apenas algumas das situações com que nos deparamos ao longo da vida.

Então o que somos, afinal? Parte de um todo ou individualistas? Componentes de um povo ou alguém que vive para um mundo pessoal, circunscrito a um universo particular?

Existem pelo menos três realidades: a primeira tem a face da dor, as rugas da fome, o olhar desesperado de quem não conhece futuro, o corpo dos despossuídos, o cansaço de quem precisa madrugar para não amargar a morte. Essa é a cara de milhões de brasileiros de todos os rincões desse país. Gente que trabalha arduamente para sobreviver, que pouco ou nada dorme, que come mal, que veste mal, que tem suas casas em malocas, em favelas, em comunidades carentes dos sertões nordestinos ou em regiões ribeirinhas do norte. Todo esse contingente soma mais de sessenta milhões de pessoas das quais metade vive em estado de miséria absoluta. Não há muita diferença entre quem vive nas favelas do RJ, de SP, de MG e esses outros brasileiros. Lá eles convivem com a fome, com a seca, com a falta de infra estrutura de transporte, com a falta de saúde, com a falta de escolas. Aqui, temos a violência urbana crescente, a falta de estrutura de atendimento a saúde, a falta de boas condições de transporte, a angustia causada pelo excesso de obrigações e pela necessidade de adquação a uma situação social perversa, mortal: a competição. Desse modo, viver não é um ato natural e sim um exercício mecânico e diário pela manutenção da vida.

A maioria de nós prefere não conhecer essa realidade e finge que ela não existe. É como um bom filme de suspense: nos assusta quando vemos e nos faz parecer importantes quando o comentamos. Nada além disso. Não faz parte do nosso mundo. Para quê saber de crianças que morrem desnutridas, de pessoas que trabalham nas lavouras de cana e não ganham sequer o suficiente para comer? Para que saber que existem choupanas no semi-árido nordestino e no sertão pernambucano onde vivem(?) famílias que comem cacto e algumas raízes venenosas para não morrerem de fome? Para que pensar em mudar a vida de uma gente que sequer fazemos questão de saber que existe? Aliás, será que tudo isso é mesmo verdade? Ou será que estou pintando um quadro negro demais para nosso país?

Voce pode se perguntar essas coisas. Mas não pode deixar de investigar, de ler sobre esses fatos, de inteirar-se sobre tal realidade. Ela existe e é bem pior do que estou descrevendo. Só que não aparece nas novelas da TV, nos programas de auditórios, nos filmes e discursos “politicamente corretos” que defendem o meio ambiente e esquecem o bem maior do universo: o homem.

A segunda realidade é a que voce conhece: uma rotina de trabalho cansativo na esperança de construir um sonho, de ter uma família, um lar. Nessa construção empregamos todos os nosso esforços e pagamos caro por cada conquista. Trabalhamos quatro meses por ano somente para pagar impostos. Do que nos sobra temos que comer e vestir, pagar todas as demais despesas e investir em uma casa, objetivo maior de todos nós. É uma corrida contra o tempo. A cada dia ficamos mais velhos, mais fracos; porém não desanimamos. Seguimos lutando para conquistar nossa medalha. Temos sorte. Somos privilegiados. Somos classe média. Temos emprego, temos futuro. Não temos certeza se vamos chegar ao futuro com tantas balas perdidas, com tantos assaltos, com tantas armas atirando em todos os lugares, com tanto descaso. Mas resistimos esperando que alguma coisa aconteça para melhorar nossas condições de vida. Ainda acreditamos no amanhã. Ainda lutamos pelo amanhã.

A terceira ralidade conhecemos de ver na TV, nos jornais. É a realidade dos nossos políticos. Para eles tudo está bem. Todos têm os cabelos bem arrumados, os ternos impecáveis, os sorrisos mais polidos possível, os rostos parecendo de cera de tão lisos e cuidados. Não moram em áreas de risco, não viajam de ônibus pelas vias esburacadas, não frequentam os trens lotados de trabalhadores cansados e suados, não vivem as misérias comuns a todos nos outros. O mundo deles é restrito, farto, profícuo. Seu árduo labor nos parece mentira, suas mentiras nos parecem verdades. Suas vidas são irreais para a maioria de nós e inimagináveis para todos os demais. Sequer sabemos o que fazem, por que fazem, para que fazem, como fazem. Sabemos que eles existem; votamos neles durante dez, vinte, trinta anos. É tudo o que sabemos deles além do que sai nos jornais. Por isso, nos parecem tão distantes, endeusados nos seus castelos, nos seus palácios com tronos cobertos de veludo.

Essa terceira realidade existe desde os tempo remotos. Sempre houve senhores e escravos, reis e súditos, governantes e governados. E aqui no nosso Brasil não é diferente. Por mais democracia que tenhamos a distancia entre ricos e pobres é um oceano. E quem é rico não está preocupado com pobre algum. Quer apenas manter e aumentar sua riqueza, sua influência, seu poder. Para tal utiliza todos os artifícios e argumentos possíveis. Discursa como profeta de Deus e recolhe os lucros como como tesoureiros do demo. Une-se aos legisladores e governantes para produzirem mecanismos legais que os protejam com a finalidade única de usufruírem dos bens públicos por mais tempo. Muitos tornam-se também políticos para mais influenciarem nas questões que lhes dizem respeito. Desse modo o país fica entregue a essa gente de sorriso fácil e de palavras incompreensíveis para a maioria de nós.

Não podemos generalizar. Existe muita gente digna no meio politico brasileiro. É bem verdade que essas pessoas pouco aparecem na mídia. Mas também fazem parte dessa terceira realidade. Aliás, para os frequentadores dessa realidade parece não haver lei. Ao menos não a mesma lei que há para todos nós das outras realidades. Colocam-se acima da lei e a burlam com maestria fugindo às punições comuns a qualquer de nós. São imunes. Talvez seja por isso que eles sorriem tanto diante das câmeras de TV.

Agora que já conhecemos as três realidades do povo brasileiro, volto a perguntar: quem sou eu? Quem e voce? Quem somos nos?

Somos parte de uma grande nação ou somos indivíduos fechados em nossos mundos pessoais? Até quando poderemos viver alheios as outras realidades que nos cercam? Estamos seguros de que temos futuro? A vida dos nossos vizinhos, dos nossos amigos, dos nossos conhecidos não tem influência na nossa vida nem a nossa na deles? Estamos isolados? E os nossos (mesmos) políticos? O que será de nós se continuarmos em suas mãos por mais dez, vinte anos sem nos manifestarmos? Não será hora de tomarmos outras atitudes como fiscalizar melhor a atuação de cada um deles? Não será o momento de pedirmos contas de todos os seus atos? São dignos representantes seus? Voce e eu estamos satisfeitos com seu trabalho?

Saiba de uma coisa: se há jovens sem futuro nesse país, se há velhos morrendo nas filas dos hospitais, se há trabalhadores sobrevivendo a custa de muito esforço, se há tantas diferenças regionais, se há mães chorando a morte prematura dos filhos, se a violência já alcançou voce, se voce está tão sujeito a violência como qualquer de nós a culpa é sua e minha. A culpa é de todos nós que sempre aceitamos as coisas como definitivas. E nada, além da morte, é definitivo nessa vida. Todos temos o direito e o dever de lutar, de protestar, de pensar que um dia tudo pode estar melhor.

Se perdermos a fé perderemos a esperança. E, se perdermos a esperança nos tornaremos frios e insensíveis, indignos de sermos chamados seres humanos.

Pense nisso.

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